Os números são contundentes e reveladores. Segundo o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, cerca de 500 mil afastamentos por transtornos mentais foram registrados no Brasil em 2024, um aumento de 66% em relação ao ano anterior. O dado, apresentado no Anuário Saúde Mental nas Empresas 2025, reflete o tamanho de um problema que há tempos deixou de ser apenas individual para se tornar também corporativo.
A boa notícia é que o cenário começa a se transformar. De acordo com o levantamento do Instituto Philos Org, o índice de maturidade das empresas brasileiras em gestão de saúde mental cresceu 62% em um ano: de 5,06 em 2024 para 8,19 em 2025.
“As empresas entenderam que a saúde mental não é apenas uma pauta de bem-estar, mas uma questão de desempenho e sustentabilidade. Cuidar de pessoas significa proteger resultados”, destaca Izabela Holanda, diretora da IH Consultoria e Desenvolvimento Humano.
A transformação, no entanto, ainda convive com contradições. Enquanto as políticas avançam, a pressão do dia a dia e os ambientes de alta performance continuam afastando profissionais do trabalho. O impacto é triplo: humano, financeiro e produtivo.
A vida em modo automático

A rotina exaustiva e a sobrecarga de responsabilidades foram o gatilho para Elva Vieira, profissional de marketing digital, repensar a sua relação com o trabalho.
“Na época, eu não achava que precisava tanto até ceder à insistência do psiquiatra. Mas, depois que passei os três meses afastada, percebi que eu não estava vivendo, estava só em modo automático. Esse tempo me deu o gás suficiente pra que eu voltasse e estabelecesse as prioridades na minha vida”, lembra.
Elva lembra que o colapso veio silenciosamente, mascarado pela rotina intensa de ser mãe solo e pela ideia de que “dar conta de tudo” era o mínimo esperado.
“Eu trabalho com gerenciamento de equipe e com criatividade pra pensar em conteúdos virais, na época estava em uma empresa de jornalismo hard news. Todo dia era uma loucura. Chegou um momento em que eu já não conseguia dar uma orientação ou desenvolver ideias. Ou seja: chegou uma hora que fiquei incapaz de exercer minhas funções profissionais. Tinha vontade de chorar do nada e só de pensar em ir pro trabalho já dava taquicardia. Os calmantes que comecei a tomar quando entrei naquele emprego já não faziam efeito, por mais que eu pedisse ao médico para aumentar as dosagens.”
Segundo o Anuário Saúde Mental 2025, esse tipo de adoecimento é mais comum em setores de alta demanda cognitiva e emocional, como Comunicação, Serviços e Logística, que registraram crescimento de até 170% no índice de saúde mental nas empresas.
Entre o apoio e o estigma
A jornada de afastamento também trouxe à tona as contradições do ambiente corporativo. “Minha equipe super me apoiou na decisão e respeitaram o momento. Claro que existem as pessoas que me tacharam de incompetente, e isso é muito pesado pra quem leva o trabalho a sério. Aliás, foi algo que a própria médica da perícia do INSS pontuou: ‘Não se cobre assim. Se tu não fosses tão comprometida com teu trabalho, não terias te afetado desse jeito. Recebo aqui muitas pessoas que amam o que fazem, mas estão esgotadas’”, reforça Elva.
Ela conta que, apesar do apoio, o retorno veio com um presente amargo. “Plot twist: fui demitida quando completei 1 mês que voltei ao trabalho. O que não reclamo, porque em duas semanas consegui uma oportunidade melhor, onde estou até agora”, analisa.
O cuidado emocional como estratégia
O avanço da Lei 14.831/2024, que criou o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, e a atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que tornou obrigatória a gestão de riscos psicossociais, impulsionaram uma nova cultura corporativa.
“As organizações que tratam o tema com seriedade estão colhendo resultados concretos: menos afastamentos, mais engajamento e maior retenção de talentos”, afirma Izabela Holanda.
Hoje, Elva fala com serenidade sobre o período que a afastou do trabalho, e que acabou aproximando-a de si mesma. “A gente precisa se atentar aos sinais que nosso corpo dá pra gente (e na opinião dos médicos!). No fundo, a gente sabe que precisa dar um tempo, a gente sabe que locais tóxicos de trabalho adoecem a gente. Mas a gente tem medo do desemprego e tal. Só que se a tua mente dá problema, tu nunca vai conseguir ter clareza pra fazer escolhas mais inteligentes. Eu precisei desse tempo afastada e de uma demissão pra minha vida melhorar.”


Leave feedback about this