Eu estava obcecada. Passava 80% do meu tempo falando sobre o disco novo de Lily Allen e nos 20% restantes eu torcia para que alguém falasse dele, só para poder falar mais um pouco. O lançamento surpresa de “West End Girl”, depois de sete anos de silêncio, chega como um banquete para quem estava sedento por uma boa fofoca.
Mais do que um retorno, o disco é um relato sobre poder, traição e reconstrução. Allen destrincha o fim do casamento com o ator David Harbour (o guardinha de “Stranger Things”). A comparação com “Lemonade” (2016), de Beyoncé, é quase inevitável. Com a diferença que uma separou e a outra passou pano para o boy seboso.
O álbum é linear, meio episódico. Cada faixa funciona como um capítulo de um drama conjugal, levando o ouvinte pela degradação de uma relação que começou com promessas e terminou em desilusão pública. Lily canta que se mudou para Nova York, afastou-se da família e das raízes londrinas, e começou a perceber as rachaduras no relacionamento. O ciúme do marido, o controle disfarçado de parceria, as inúmeras traições, a fragilidade de uma mulher tentando se encaixar no papel de “esposa moderna”, que nunca quis, dão o tom do disco.
Open bar de chifre ou relacionamento aberto?
O álbum gira em torno de uma história de não-monogamia desonesta. Harbour supostamente teria imposto um acordo de relacionamento aberto, mas com regras específicas: encontros pagos, sem envolvimento emocional, sempre com estranhos. Mas o pacto é rompido quando Lily descobre mensagens com “Madeline”. O nome, a familiaridade e o vínculo emocional implícito com uma piadinha sobre “jogar tênis” transformam o que seria um acordo de casal em uma traição emocional clássica. Dizem que uma colega de trabalho do ator, a figurinista Natalie Tippett, é a tal Madeline. Mas quem somos nós para fomentar rivalidade feminina, né?
Lily narra tudo com a franqueza e o deboche que sempre a definiram. A dinâmica de poder é desenhada: ele tem o controle financeiro e o imóvel em Nova York, ela tenta ajustar a própria vida a uma estrutura desigual. A não-monogamia vira uma desculpa conveniente que mascara privilégios e culpa a mulher por não performar o papel da parceira livre e desapegada.
O deboche é a melhor arma
Nas faixas mais devastadoras, como “Ruminating” e “Sleepwalking”, Lily mergulha num espiral mental obsessivo. A sensação de estar fora do próprio corpo, o gaslighting que a fazia duvidar da própria sanidade são temas constantes.
Em “Relapse”, ela confessa a tentação de recorrer ao álcool e aos ansiolíticos. Aliás, um retorno a vícios que havia superado há anos. Mas há luz no fim. “Fruityloop” fecha o álbum com autoconhecimento: Lily revisita o passado de “It’s Not Me, It’s You” (2008) e percebe que o problema nunca foi ela.
O que mantém “West End Girl” longe da autopiedade é o humor ácido. Em “Pussy Palace”, o apartamento usado pelo ex para encontros extraconjugais é descrito com detalhes que te fazem realmente entrar no local: cartas de mulheres decepcionadas, lençóis bagunçados, fios de cabelo diferentes e uma sacola cheia de brinquedos sexuais e camisinhas. Com o toque extra da introdução dessa música usar o mesmo efeito da abertura da série do tal “viciado em sexo”.
Musicalmente, o álbum é um retorno às origens. Lily mistura garage e dance londrino, reafirmando que não perdeu sua identidade ao se mudar para a América. A produção é crua, direta, e até a voz soa mais cansada. A dor que amadureceu a franqueza e uma mulher que transformou um trauma íntimo em escárnio público. E estamos com a diva no bom e no ruim.
Escute o álbum completo na sua plataforma de áudio favorita.
Esse papo começou lá no podcast Chá de Canela, que vai ao ar ao vivo toda terça-feira, às 19h, no YouTube. Confere lá o papo das gatas garotas.
Veja a publicação anterior da coluna:


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