Nos primeiros dias que antecedem a COP30, durante a Cúpula dos Líderes, em Belém, um assunto dominou as redes sociais e parte da imprensa nacional: o preço da coxinha e de outros alimentos. Enquanto lideranças mundiais debatem o futuro climático do planeta, manchetes e memes se multiplicaram ironizando o valor dos lanches vendidos no evento.
A Revista CDC resolveu conversar com comunicadores especialistas em jornalismo ambiental para avaliar sobre a cobertura da mídia nesses primeiros dias de evento. A polêmica, aparentemente banal, escancara como o jornalismo escolhe narrar, ou simplificar, temas complexos que exigem reflexão e responsabilidade,
Para Ivana Oliveira, doutora em Ciências do Desenvolvimento Socioambiental e professora da Universidade da Amazônia, a “polêmica da coxinha” é mais do que distração. “É uma nova forma de desqualificar a região. É o discurso colonialista dentro do próprio país. Quando a COP acontece no Norte, o foco vira o preço da comida”, critica.
Ela reforça que o papel da mídia deveria ser o de “educar o olhar” e qualificar o debate ambiental, e não relativizar o espaço amazônico. “Está na hora de a mídia sudestina parar de olhar Belém como o lugar do improviso, da terra e do barro. A COP é sobre transição energética, financiamento climático, inclusão dos povos da floresta, não sobre o valor do refrigerante”, aponta.
A análise de Ivana ecoa nas palavras de Maria Clara Moraes, cofundadora do coletivo Verdes Marias, que vê na cobertura superficial um reflexo das dinâmicas das redes sociais. “Polêmica simples, com humor ou provocação, gera clique imediato. Já temas como financiamento climático ou adaptação exigem paciência e contexto”, explica.
Para ela, o desafio é traduzir o técnico para o humano: “A imprensa precisa mostrar como as decisões da COP afetam a vida real das pessoas, o agricultor que perde a colheita, o ribeirinho que vê o rio aquecer, a família que sofre com enchentes. Quando a narrativa é humana, o público se conecta”.
Maria Clara defende que o jornalismo pode, e deve, usar a leveza como ferramenta, desde que aponte para o essencial. “Podemos até brincar com o meme da coxinha, mas logo em seguida falar sobre adaptação climática. É o que chamamos de ‘esconder a couve na pipoca’: usar o que chama atenção para introduzir o que realmente importa”.
Já o diretor de sustentabilidade da Approach, Marcelo Vieira, veterano de cinco COPs, reconhece o tamanho do desafio jornalístico diante da complexidade do evento.
“A agenda climática é técnica e ampla, o que dificulta uma cobertura total. Mas, nesta COP, a imprensa brasileira tem mostrado presença forte, com veículos independentes e jornalistas experientes em Amazônia e meio ambiente. Isso garante múltiplos olhares”, avalia.
Para ele, temas como financiamento e adaptação climática deveriam ocupar o centro das manchetes, mesmo que não rendam tantos cliques. “São pautas que não brilham, mas mudam vidas. O aquecimento global é difícil de prever, mas garantir recursos para quem já vive os impactos é algo concreto”.
O especialista também lembra que simplificar o debate ao extremo pode abrir espaço para negacionismo e desinformação. “Notícias como o ‘preço da coxinha’ acabam sendo usadas para desqualificar a conferência e reforçar discursos contrários à agenda climática”, alerta.
A chance de virar o jogo
A COP30 em Belém é, para muitos, um marco histórico. Para Ivana Oliveira, trata-se também de uma oportunidade para o protagonismo da mídia local. “Os jornalistas da região conhecem o território, as comunidades, os riscos. É a hora de mostrar isso e sair da sombra de uma mídia sudestina que sempre teve um olhar preconceituoso sobre nós”, afirma.
Já Maria Clara resume, “as pessoas precisam entender por que o que se discute na COP importa para elas”. A ciência já mostrou o rumo do planeta, cabe agora à mídia mostrar o caminho.


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