Quando o desejo de ter um filho não se concretiza no tempo ou da forma desejada, o impacto vai além do corpo: saúde mental, imagem pessoal, relacionamentos e até vínculos familiares são afetados. E nesta trajetória de dor e frustração, persiste um estigma que pesa muito sobre as mulheres.
“Culturalmente, a infertilidade continua sendo vista como um problema do corpo feminino. Essa percepção distorcida direciona o olhar para as mulheres e concentra nelas a maior parte da responsabilidade emocional, clínica e simbólica do processo”, explica Thalyta Laguna, psicóloga perinatal, pesquisadora em saúde reprodutiva e autora do livro Muito além do positivo.
Esse olhar seletivo, que coloca sobre elas a maior parte da culpa, permanece mesmo quando as causas demonstram o contrário. Dados científicos mostram que os fatores masculinos têm grande peso na equação. De acordo com uma revisão publicada no BMC Public Health, o homem é o único responsável em cerca de 20 a 30% dos casos de infertilidade. Já a plataforma StatPearls (NCBI) indica que fatores masculinos respondem isoladamente por 20% dos diagnósticos, além de serem contribuintes em outros 30 a 40%.
Ainda assim, as mulheres continuam sendo, quase sempre, as primeiras a passar por investigações clínicas, exames invasivos e tratamentos.
“A pressão se acumula dia após dia, e o sofrimento se deposita não apenas em seus corpos, mas também em seus pensamentos”, afirma Laguna.
Esse desequilíbrio também se revela na forma como homens e mulheres enfrentam o problema. “Eles sofrem, muitas vezes, calados; e, por falta de espaço ou por exigência cultural, tendem a internalizar suas angústias. Mas, mesmo quando o sofrimento está presente dos dois lados, a resposta social à infertilidade é desigual: enquanto os homens são poupados de perguntas e julgamentos, as mulheres seguem como principais alvos da cobrança.”
No espaço familiar, onde se esperaria acolhimento, surgem pressões veladas. Perguntas sobre “quando virão os netos”, comparações com outras gestações e conselhos simplistas são comuns. “Ainda que muitas dessas falas partam do desejo de ajudar, operam a partir do senso comum, ignorando a complexidade emocional da infertilidade”, aponta a psicóloga.

Cada tentativa frustrada representa uma perda real, mas esse luto nem sempre é legitimado. “O sofrimento psíquico de quem tenta engravidar não pode seguir sendo deslegitimado. Cada tentativa frustrada representa uma perda real, e o luto não é menor só porque não pode ser visto”, reforça Laguna.
Para ela, romper esse ciclo exige mudanças de perspectiva. Validar emoções, respeitar o tempo de cada casal e evitar pressões sociais ou familiares são formas concretas de cuidado. “A família pode ser parte do problema, mas também da solução.”
No fim das contas, a especialista lembra que, muitas vezes, não é preciso encontrar a palavra certa. “Há silêncios que sustentam mais do que mil discursos. Pois, na maior parte das vezes, não é a ausência de palavras que machuca, e sim o excesso delas, ditas para calar o próprio desconforto. Se não souber o que falar, ofereça um abraço. Ele costuma dizer tudo.”
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