A música feita no Pará é um verdadeiro laboratório cultural, uma usina de invenção. Aqui, tudo se mistura: a lembrança da festa, o amor que não deu certo, o grave da aparelhagem, a voz que sai do fundo da alma. Enquanto o pop global recicla hits do passado e chama isso de nostalgia cool ou mercadoria estética, o brega, o melody e suas variantes seguem outro caminho. É sobre honrar a memória sem deixar o corpo parado.
O brega é, antes de tudo, emoção pura. Aquele tipo de música que, quando toca, te faz lembrar de alguém, mesmo que tu não queiras. É exagero, drama, dor de cotovelo e, principalmente, alegria. É a música que fala das frustrações e sonhos das classes populares, mas também da força de resistir ao esquecimento. O tecnobrega é a virada de chave, o momento em que o Pará decide remixar o mundo e devolver com batida própria. É o modernismo popular em forma de som.
DJs e alquimistas
Nas periferias da Grande Belém, as aparelhagens são templos dessa criatividade. A cada festa, os DJs fazem alquimia com o que têm. Entre softwares acessíveis, samples de sucesso gringo, um “alô” no microfone para aquecer o público e atender aquele querido, a “pirataria criativa” se faz presente. É o som global ganhando sotaque paraense, com ritmo, cor e ousadia. O que era distante vira íntimo, o que era “importado” passa a dançar de sandália.
Mais do que diversão, a música popular paraense é gesto político. Ela descentraliza a indústria, rompe com o eixo sudestino e cria sua própria contracultura. Uma festa de aparelhagem não é só pista de dança, é uma aula de história onde passado, presente e futuro se misturam em ritmo de batidão. Se Mark Fisher falava de hauntologia, por aqui o fantasma do passado não assombra, ele dança e treme com a gente.
Criatividade e classe
Quando o brega e suas vertentes viram apenas caricatura, souvenir turístico ou trilha para evento global, perdem potência. A estética do “exótico” tenta engolir a força da invenção popular. Assim, as versões de hits de TikTok podem se tornar meros produtos sem engajamento com a memória cultural das periferias.
Mesmo assim, o Pará resiste, e com estilo. A máxima “copia, mas não faz igual” aqui é diferente. Com DJs e produtores bagunçando o tempo musical, eles seguem transformando nostalgia em invenção e mantendo a chama acesa nas aparelhagens.
Batidão e resistência
Entre batidas eletrônicas e memórias reinventadas, a música paraense continua fazendo o que sempre fez de melhor: criar o novo com o que já existe. Separando a nostalgia que paralisa e a memória que cria. Diferenciando as festas que não saem dos anos 70 e 80 daquelas que subvertem esses ecos do passado e abrem espaço para novos horizontes.
O desafio é seguir na linha fina entre o afeto e a invenção. Sobre honrar a memória sem se tornar prisioneiro dela. É fazer música que fale com e sobre o Pará, evitando o clichê da Amazônia de cartão-postal, com o igarapé instagramável, o folclore embalado para exportação e o açaí com granola.
O Pará de verdade é outro. É o da caixa de som tremendo na esquina, do refrão que dá vontade de cantar alto e do orgulho que pulsa. Agora ser paraense está na moda, falta só o mundo aprender a dançar no ritmo certo.
Confere o bate-papo com um dos principais DJs do Pará, o DJ Dinho, no podcast Chá de Canela, que vai ao ar ao vivo toda terça-feira, às 19h, no YouTube.
Veja a publicação anterior da coluna:


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