No vai e vem dos pavilhões da COP 30, onde debates sobre clima, justiça e futuro se acumulam a cada corredor, há uma trilha sonora espontânea que se revela nas conversas, nos encontros e nas apresentações culturais que ocupam Belém. Se falar de clima é falar de território, falar de território é falar de música. Essa equação aparece com força na diversidade de sotaques, ritmos e memórias que circularam pelo evento.
Passando por lá, acabei montando uma playlist que diz muito sobre pertencimento, luta, identidade e afeto.
Orgulho do Pará
Na Green Zone, a educadora Adriana Barros, da Secretaria Municipal de Educação de Bragança, resume a força de onde veio: “Bragança é muito rica na questão musical. Tem Marujada, tem xote. A música é a nossa identidade.”
Ao lado da colega Emily Paixão, ela destaca como as escolas da região — espalhadas por mangues, praias e áreas produtoras de farinha — carregam essa musicalidade cotidiana.
Quando o assunto é recomendação musical, as duas são unânimes: Dona Onete, “No Meio do Pitiú”. A música destaca o Ver-o-Peso e os personagens afetivos da cidade: “a namoradeira, o malandro urubu”. Para elas, a canção representa o Pará, representa Belém, a capital que abraça e inspira o interior.
Música popular brasileira como afeto
Do outro lado do pavilhão, duas comunicadoras paulistanas também revelam suas trilhas afetivas. A jornalista Juliane Sintra, diretora executiva da Associação Brasileira Organizações Não Governamentais (Abong), relembra uma canção na voz de Maria Bethânia que a emociona profundamente: “Ya Ya Massemba”. Um canto sobre partilha, troca e construção coletiva. São temas que dialogam diretamente com o espírito da conferência.
Sua colega, a designer e comunicadora Dora Lia, escolhe uma música que parece sempre retornar aos debates ambientais e sociais do Brasil: “Refazenda”, de Gilberto Gil. Uma canção que fala de plantar, refazer e recomeçar. Verbos que atravessam debates climáticos, lutas por justiça e imaginários de futuro.
Nos fones estrangeiros
Na Blue Zone, a expositora Nataniela da Silva, de Luanda, Angola, trouxe na ponta da língua mundos sonoros que representam a música angolana: kuduro, semba e kizomba. Ela cita artistas queridos por seus conterrâneos — Paulo Flores, Yuri da Cunha e Gutto. Ela também destaca a expansão global do kuduro como ritmo dançante e contemporâneo, mas que já é conhecido pelos brasileiros.
Entre suas recomendações pessoais, aparecem: “Choro do Semba”, de Dom Ellh, Tátá de Almeida & Texas Guitarrista e mixes instrumentais que combinam melancolia, festa e ancestralidade.
Apesar do amor por artistas brasileiros como Seu Jorge e até “algumas de Anitta”, Nataniela diz que seu coração sempre volta à Bossa Nova e ao estilo clássico de Djavan.
Entre os sons mais marcantes que conheci durante a cobertura está o do malawiano Geoffrey Ziba, de Lilongwe. Para ele, a música que define o momento é espiritual, profunda e conectada à vida cotidiana. A canção favorita dele é “Mwayenera Ulemu”, de Grace Chinga. Geoffrey me traduziu trechos, explicou o sentido, e até cantou partes da canção: “É revigorante. Faz você confessar, refletir e se sentir perdoado.”
A segunda recomendação, “Faith”, da artista Lady Aika, vira quase um hino de esperança na COP 30. A música fala de trabalho, persistência e sonhos. Da carpintaria às pequenas agricultoras, das mulheres em salões aos trabalhadores de campo. É um canto sobre prosperar com disciplina, construir o próprio caminho e não desistir.
Músicas que atravessam territórios
As conversas que surgem espontaneamente pelos pavilhões mostram que a COP 30 não foi só um encontro climático. Mas também uma união de histórias, afetos, memórias e identidades que se traduzem em ritmos.
Que revelam algo fundamental: que a luta climática também é uma luta por pertencimento, por futuro e por formas de viver e cantar o território.
Veja a publicação anterior da coluna:


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