A revista CDC conversou com a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, sobre o papel central das mulheres indígenas na construção de um país mais justo, plural e conectado com a ancestralidade.
Com uma trajetória marcada pela luta, representatividade e coragem, Guajajara reforça que essas mulheres estão em todos os espaços, das aldeias às universidades, dos territórios aos gabinetes, e desempenham funções fundamentais na sustentação das comunidades. “Elas são guardiãs de sementes, protetoras das florestas e das águas. São também lideranças que constroem políticas públicas a partir de suas vivências e conhecimentos”, afirma.
Sônia Guajajara, esteve em Belém no último dia 30 de agosto para participar do 1º Encontro Nacional de Comunicação Indígena, evento que reuniu lideranças de todo o país para discutir narrativas, representatividade e estratégias de fortalecimento da comunicação dos povos originários.
Para a ministra, superar a sub-representação feminina nos espaços de poder é um dos grandes desafios do presente. “Temos avançado em representatividade, mas ainda temos um longo caminho. Precisamos garantir não só a presença, mas também o poder de decisão efetivo que permita um verdadeiro impacto nas políticas públicas”, destaca.
Essa perspectiva ganhou força com a realização da 1ª Conferência Nacional das Mulheres Indígenas, em agosto, que reuniu mais de 5 mil mulheres de mais de 100 povos. “Foi um evento histórico que nos ajudou a construir coletivamente um documento com propostas para uma Estratégia Nacional voltada às mulheres indígenas. É um marco para o país”, reforça.

Liderança com escuta, cuidado e ancestralidade
Ao ser questionada sobre o que mulheres não indígenas podem aprender com as originárias, Sônia é direta: “A escuta ativa, o acolhimento e a colaboração são características fundamentais da liderança feminina indígena. A verdadeira liderança nasce da capacidade de resistir, de considerar o coletivo e de respeitar os saberes ancestrais”.
Ela também destaca a ancestralidade como base de uma política com visão de futuro. “A ancestralidade é onde nos encontramos com o nosso passado, mas também é ela que vai nos trazer as respostas para o amanhã. Nos dá força e sabedoria para resistir e criar soluções coletivas”.
Segundo a ministra, a experiência das mulheres indígenas no cuidado com a terra, com o corpo e com o coletivo oferece um modelo potente de liderança para toda a sociedade, um modelo que contrapõe o individualismo e a lógica de poder dominante. “As mulheres indígenas sempre praticaram uma liderança com base na resistência, no respeito e na sabedoria coletiva”.
Governar com espírito comunitário
Para Guajajara, pensar o governo a partir dos valores indígenas significa recolocar a coletividade no centro das decisões. “Nossos modos de vida se baseiam no respeito à Mãe Terra, na valorização da convivência em harmonia com todos os seres. A consciência indígena é parte de quem somos, caminha conosco onde estivermos”.
Ela acredita que é possível construir políticas públicas mais humanas quando o Estado ouve e respeita a diversidade de perspectivas existentes no país. “Estamos aldeando o Estado, reflorestando mentes habituadas a excluir os povos indígenas da realidade nacional. E essa mudança não beneficia apenas os povos originários, ela amplia a visão de país para todos”.
O fortalecimento de lideranças indígenas na administração pública é, segundo a ministra, uma das maiores conquistas recentes. “O Brasil tem muito a ganhar com a presença de indígenas nos espaços de decisão. Isso amplia os olhares e as soluções possíveis para os nossos desafios como sociedade”.
Um futuro livre de colonialismo e desigualdade
Quando imagina o Brasil daqui a 50 anos, Sônia Guajajara projeta um país diverso, justo e ambientalmente consciente. “Sonho com um Brasil livre do colonialismo, dos preconceitos e das desigualdades. Um país que se orgulha da sua diversidade cultural, que garante os direitos dos povos indígenas e que é referência global na proteção do meio ambiente”.
Ela enfatiza que esse futuro começa agora, com o fortalecimento da juventude indígena e da luta coletiva. “São os jovens que levarão adiante nossas pautas e nossa identidade. Precisamos prepará-los, escutá-los e garantir que tenham acesso às ferramentas necessárias para ocupar os espaços que desejam”.
Segundo Sônia, a juventude indígena já vem desempenhando um papel ativo e transformador, seja na política, na comunicação, nas lutas territoriais ou nos movimentos LGBTQIAPN+. “Eles aprenderam com as mulheres indígenas de hoje a importância do cuidado com a terra, da luta coletiva e da força que vem da ancestralidade”.
“O futuro do país precisa ser criado a partir da superação da sub-representação das mulheres em todas as esferas. Esse futuro já começou, e ele será ainda mais potente se for construído com a força, os saberes e a ancestralidade das mulheres indígenas”, afirma a ministra.
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