Essa é uma daquelas entrevistas que a gente deseja que tivessem sido numa cafeteria em um lugar menos descolado da cidade e mais olho no olho. Aqueles ambientes menos instagramáveis e mais seres humanos, simplesmente porque o foco é a conversa. Por conta de alguns contratempos, acabei recebendo as respostas da Monique Malcher pouco mais de uma semana depois de enviá-las, como um sinal de que algumas entrevistas precisam mesmo de mais tempo.
Monique é escritora, artista plástica e antropóloga nascida na cidade de Santarém, em 1988. E não só escreve, como se destaca. É uma mulher nortista de referência: ganhou o prêmio Jabuti em 2021 com o livro “Flor de Gume” (2020), publicado pela Editora Jandaíra e reeditado pela Editora Moinhos. Agora, lança o romance “Degola” (2025), pela Companhia das Letras, ambientado em Manaus e que conta a história da protagonista Sol.

Se “Flor de Gume” gera uma identificação imediata e singular em cada um que o lê, “Degola” parece vir no mesmo caminho: o do íntimo que vive em todos nós e que passa pelo reconhecimento de se enxergar em uma narrativa que só quem é da Amazônia entende.
Entre a agenda de compromissos de lançamento do mais recente trabalho, a escritora falou à Revista CDC sobre identidade literária, intimidade na escrita, identificação e inspiração. Confira a entrevista a seguir, na íntegra:
Muito se fala da identidade literária… Preferes te definir como escritora paraense, escritora amazônica, escritora mulher, ambos ou nenhum desses rótulos? Como essas identidades influenciam o teu trabalho e como os leitores te percebem?
Sou uma escritora brasileira nascida ao norte do país. Para os leitores, em geral, percebo que sou lida exatamente como me vejo. Falo bastante sobre isso e sinto o respeito dos leitores em relação a como me enxergo. Mas acima de tudo, uma trabalhadora da palavra.
A tua escrita por vezes parece muito íntima e particular. Tens textos que não são para serem lidos ou sentes que essa intimidade é necessária pra que eles sejam publicados?
Acredito que meus textos são íntimos apenas pelo fato das pessoas se identificarem com eles. Ou seja, o que crio acessa a intimidade dos leitores. Mas não trabalho com autoficção. Apesar de todas as escolhas políticas presentes em literatura serem autobiográficas. Só não publico aquilo que não acho que está pronto ou um texto feito para um contexto da minha vida particular. 
Que momentos de vida ou eventos te fazem querer escrever? Algum tema ou outro desperta o teu olhar de escritora e acaba guardado pra depois ou as referências são resgatadas naturalmente?
Na maior parte do tempo trabalho com assuntos que me causam indignação ou me convocam pelo mistério. Costumo registrar pensamentos e pesquisas em cadernos de campo. Gosto de focar em projetos, um de cada vez. Trabalho bastante com o registro, assim não existe página em branco, pois a escrita é um processo anterior ao ato físico. 
Flor de Gume reúne 37 contos e Degola é teu primeiro romance em prosa. Como foi para ti essa transição? Qual a principal diferença entre esses dois trabalhos, para além dos tipos de narrativa? 
Não senti essa transição acontecer, porque Flor de Gume era um livro bem experimental. Os contos se conectavam de modo a soarem como um romance. Então já pensava em livros que fossem um projeto maior de narrativa. A diferença dos dois é que Degola foi escrito por uma Monique com um pouco mais de amparo financeiro e social para exercer sua profissão. Mas vejo ambos dentro de um projeto literário que segue conversando.

Em Flor de Gume, é difícil alguma mulher nortista não se enxergar um pouco em cada conto: seja pela ancestralidade, linguajar, região… Acreditas que esse reconhecimento será tão forte em Degola quanto foi em Flor de Gume?
Pelo que observo em Degola já vejo um grande reconhecimento dos leitores, mas com o tema da infância, do luto e da insegurança social. O gênero ainda está presente, mas dessa vez esses outros temas estão mais centrais. Fico feliz que as pessoas venham me contar emocionadas sobre o que sentiram acompanhando a infância da Sol na ocupação.
Já existem outros projetos engatilhados? Estás explorando novos gêneros, novos territórios narrativos ou formas de colaboração?
Sempre existe. Estou em processo inicial de pesquisa para um novo livro, mas não gosto de falar muito sobre até que eu esteja avançada na escrita. Além disso, focando na divulgação de Degola que acabou de ser publicado. Viajando bastante para feiras literárias para falar do livro. 
Pra finalizar, o que dirias para mulheres que querem seguir pelo caminho literário e enxergam em ti uma referência? Que espinhos e delícias elas podem esperar?
Não há um caminho marcado por regras, cada trajetória será diferente pois nossa existência é. Não deixe que nada a impeça de escrever, nem você mesma. Mande calar a voz que diz que você não vai agradar ou não escreve bem. Escrever bem é sobre repetição, subtração e estudo. E você é a única pessoa que deve ser agradada. Se a gente gosta do que escreve já está resolvido o problema.
Por fim, se quiser, deixe uma mensagem, uma consideração que talvez não se encaixe em categoria de pergunta, mas que fique registrada para quem vai te ler ou ouvir: o que queres que fique gravado quando pensarem em Monique Malcher, escritora do Pará, do Norte, autora de Flor de Gume, Degola e tantos zines?
Não sei se me preocupo em como vão pensar sobre mim, mas meu maior desejo é que esses livros sobrevivam às catástrofes do mundo.


					
					
					
					
					
					
					
					
																		
																		
																		
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