Desde a infância até a vida adulta, a mulher enfrenta dores que, muitas vezes, são normalizadas ou negligenciadas. Para compreender as raízes, os impactos e os desafios do tratamento da dor na mulher, a revista CDC entrevistou a médica anestesista e especialista em dor, Catarina Barbalho, que trouxe uma reflexão sobre esse tema.
Segundo a médica especialista, a exposição à dor na vida da mulher começa desde cedo. “Desde a adolescência, com as cólicas menstruais, a mulher já é exposta a dores pélvicas que muitas vezes são tratadas como naturais. Mas não é natural sentir dor todos os meses e simplesmente aceitar isso”, afirma.
Ela alerta que normalizar esse sofrimento pode causar consequências a longo prazo. “Se uma adolescente sente dor com frequência, seu cérebro vai se tornando mais sensível. É um processo de sensibilização. Isso pode gerar dificuldades cognitivas, ausência escolar, alterações emocionais e até problemas na vida adulta”.
A dor da mulher, especialmente quando se torna crônica, vai além do físico. “Ela pode afetar a vida sexual, o casamento, a autoestima. Muitas pacientes com dor pélvica crônica, por exemplo, desenvolvem ansiedade, depressão, e entram num ciclo de sofrimento contínuo”, acrescenta.
Catarina Barbalho destaca que, por ser uma condição multifatorial, o tratamento precisa ser multidisciplinar. “O mais fácil seria só prescrever um remédio, mas isso não resolve. Eu preciso envolver psicólogo, fisioterapeuta pélvica, nutricionista, educador físico. A dor é uma experiência complexa que envolve corpo, mente e ambiente”.

A profissional também chama atenção para o fato de que a dor da mulher é, frequentemente, banalizada até mesmo por colegas médicos. “Culturalmente, a mulher expressa mais as emoções, o que leva muitos a interpretarem sua queixa como exagero. É um erro. Não dá mais para dissociar o físico do emocional”.
A boa notícia, segundo a médica, é que esse cenário vem mudando. “Hoje, eu dou aula em pós-graduações com turmas de até 60 alunos, profissionais de diferentes áreas buscando especialização no tratamento da dor. Isso era impensável há alguns anos”,
Um dos principais equívocos no cuidado com a dor feminina é a ideia de que remédios bastam. “Quando a dor dura mais de três meses, ela se torna crônica, e a medicação isolada não vai resolver. Precisamos de mudanças de estilo de vida, melhora do sono, alimentação adequada, atividade física, acompanhamento psicológico”, reforça.
Muitas dores femininas não têm uma causa física evidente , mas isso não significa que elas não existam. A médica cita o caso clássico da paciente com endometriose que continua com dor mesmo após cirurgia. “Ela pode ter alterações neuroquímicas, traumas passados, experiências emocionais negativas, influências hormonais ou genéticas. Tudo isso influencia a forma como ela sente a dor”.
Por isso, é essencial compreender a dor a partir de um olhar biopsicossocial, que considera a pessoa de forma integral.
O que toda mulher precisa saber
Ao final da entrevista, a especialista foi questionada sobre o que ela gostaria que todas as mulheres soubessem sobre a dor. A resposta foi clara: informação é a chave. “Eu gostaria que todas entendessem por que somos mais vulneráveis à dor, por que ela afeta tanto o nosso dia a dia e por que não devemos aceitar esse sofrimento como algo natural. Toda dor que dura mais de três meses precisa ser investigada e tratada”.


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