Na última coluna, falei sobre a indústria do streaming e como ela pode ser problemática, principalmente para os artistas menores. Aqui, o inimigo agora é outro o foco é aquele app que suga horas do seu dia. Hora de fechar a aba de dancinhas.
A influência do TikTok na indústria da música deixou de ser tendência para se tornar estrutura. Hoje, a plataforma não apenas divulga canções. Ela também molda a forma como músicas são compostas, lançadas, promovidas e consumidas. O impacto é estético, econômico e cultural. E ajuda a explicar por que ouvir música parece, para muita gente, mais cansativo do que prazeroso.
Quando o algoritmo decide o hit
O TikTok se consolidou como um dos principais meios de descoberta musical da era do streaming. Para o público jovem, a plataforma frequentemente antecede o Spotify e o YouTube quando se trata de ouvir coisas novas. Uma música não “estoura” porque circula, ela circula porque performa bem nos primeiros segundos.
Esse modelo desloca o poder de curadoria para o algoritmo. Assim, o sucesso passa a ser medido por retenção, repetição e capacidade de virar trilha para dancinhas, memes e desafios. Vai se tratar, garota

Músicas mais curtas e refrões no segundo zero
Uma das mudanças mais visíveis está na duração das canções. Faixas cada vez mais curtas dominam o pop contemporâneo. Muitas têm pouco mais de dois minutos. Introduções longas, pontes e climas progressivos se tornam arriscados demais para uma lógica baseada em rolar o feed.
O refrão, antes ponto alto, agora abre a música. A canção precisa capturar atenção imediata ou o dedo só passa para cima e tchau. O resultado é uma escuta fragmentada, ansiosa e treinada para o impacto rápido.
Hits feitos para viralizar
A lógica do TikTok — e todas as redes sociais baseadas em vídeos curtos — não valoriza a música inteira, mas o trecho que melhor funciona em loop. Isso muda a composição desde a origem. Versos são pensados como legendas, batidas como suporte para coreografias, letras com frases simples e fáceis de dublar.
Versões speed up e slowed deixam de ser curiosidade de fã e entram na estratégia oficial de lançamento. A música se adapta ao desempenho do celular, ao fone de R$ 5 que vende no ônibus, ao consumo tão acelerado, que até áudio no WhatsApp é reproduzido em 2x.
O álbum, como experiência contínua, perde espaço. O single vira aposta máxima e, muitas vezes, descartável.
Nesse cenário, os músicos passam a desempenhar o papel de criadores de conteúdo. Não basta lançar a música. É preciso antecipar, explicar, encenar, dançar e reagir. Tudo para alimentar o algoritmo, que se torna filtro de validação artística. Criar deixa de ser processo e vira desempenho.

Acessível, mas a que custo?
É inegável que o TikTok abriu portas para artistas independentes, permitindo alcance sem mediação tradicional. Mas essa democratização vem acompanhada de um efeito colateral: a padronização sonora.
A busca pelo viral cria fórmulas. Como se aquela música nova te lembrasse alguma anterior, mas que você não sabe ao certo qual. Muitas músicas soam semelhantes porque obedecem às mesmas exigências técnicas e comportamentais da plataforma.
A melhor metáfora para entender esse momento talvez seja de que a música no TikTok funciona como o trailer de um filme que quase ninguém quer ver completo. O impacto imediato vale mais do que o desenvolvimento. O trecho vale mais do que a obra. O teaser já satisfaz o consumidor final. O problema é quando toda a música passa a ser pensada como teaser, não como filme.
O cansaço de ouvir música na era do algoritmo
O efeito final desse processo é o cansaço. Não de ouvir música, mas de ouvir sempre a mesma lógica sonora, a mesma estrutura emocional, a mesma compressão. Na contramão, cresce o interesse por álbuns longos, que precisam ser ouvidos atentamente e sob formatos menos orientados por métricas. Esse movimento ainda é restrito a alguns nichos, claro.
A disputa central da música pop hoje não é entre velho e novo, mas entre música como arte e música como conteúdo. Enquanto o algoritmo seguir ditando o ritmo, a pergunta que fica não é qual será o próximo hit, mas o que ainda consegue sobreviver fora do loop.


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